Ego, impostores e gerações

 

Jiri Trnka, Diretor de Inovação

 

Ego inflado

No século XX, o matemático, filósofo e lógico inglês Bertrand Russell escreveu: “Um dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no fato de serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os que possuem imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões”. Russel conseguiu simplificar em uma frase essa característica do comportamento psicossocial humano que na época ainda não tinha nome.


Justin Kruger e David Dunning, pesquisadores da Universidade de Cornell na década de 1990, demonstraram o mecanismo da ilusão de superioridade numa série de experiências e deram nome ao paradoxo citado pelo Russel. Os resultados foram publicados no Journal of Personality and Social Psychology em dezembro de 1999. Kruger e Dunning comprovaram o que o próprio Charles Darwin já tinha expressado dizendo que “A ignorância gera mais frequentemente confiança do que o conhecimento”.

Dunning e Kruger propuseram que, em relação a uma determinada habilidade, as pessoas incompetentes e outros pseudo-especialistas irão apresentar 4 caraterísticas:

  • falhar em reconhecer sua própria falta de habilidade;
  • falhar em reconhecer as habilidades genuínas em outras pessoas;
  • falhar em reconhecer a gravidade da extensão de sua própria incompetência;
  • reconhecer e admitir sua própria falta de habilidade, depois que forem treinados para aquela habilidade.

 

Se você olhar para o seu ambiente, sua família, seus amigos ou seus colegas, provavelmente poderá identificar um ou outro “estúpido confiante” que é uma pessoa não qualificada em alguma habilidade e que não está ciente dessa falha, pelo contrário, apresenta um nível de confiança que é superior mesmo aos especialistas da área.

 

Dilbert – Scott Adams

 

Após a análise de diversos testes de habilidades e de autoavaliações. O resultado revelou que os participantes que dominavam determinada técnica avaliaram corretamente seu desempenho, enquanto os que pouco sabiam sobre o assunto superestimaram seu desempenho. Estes dados serviram de base para a criação da curva abaixo que ilustra o “efeito Dunning-Kruger”.

O nível de confiança do incompetente é exageradamente superestimado. O nível alcançado é tão estratosférico que supera até mesmo o nível de confiança alcançado pelos especialistas e peritos no assunto.

 

 

Tão logo o indivíduo começa a se aprofundar nos estudos, ele rapidamente mergulha no chamado vale da “depressão” onde ele percebe o quão pouco ele sabe e começa a realizar a magnitude do esforço e tempo requeridos para superar esta ignorância.

Ao longo destes estudos o nível de confiança cresce constantemente e passa a se apoiar em conhecimento e competências reais. Mas o verdadeiro especialista tem plena noção do que ele não sabe e é precisamente por isso que ele nunca mais alcançará o grau de confiança da certeza absoluta do estúpido!

É particularmente preocupante quando um indivíduo com atribuições de chefia e de gestão se encontra em uma fase de ego inflado e de superestimação da confiança. Este ego exacerbado geralmente leva o indivíduo a tomar decisões desastrosas que levam a equipe a cometer graves erros que poderiam ter sido evitados se ele tivesse sido capaz de reconhecer a sua ignorância.

 

Síndrome do impostor


Em contraposição à postura de supervalorização de capacidades, o método de pesquisa de Dunning e Kruger também indicou que pessoas com reais e reconhecidas competências possuem uma autoconfiança fragilizada e subestimam seus conhecimentos. Além disso, elas tendem a confiar mais em outras pessoas, mesmo naquelas que não tem o potencial para assumir a tarefa.


Esse “complexo de inferioridade” também foi investigado nos anos 1970 pela psicóloga Pauline Clance, da Universidade do Estado da Geórgia, que chamou o fenômeno de Síndrome do Impostor. Ela identificou que as pessoas que têm esse tipo de comportamento psicológico costumam destacar suas fraquezas e não valorizar suas capacidades.


Esta síndrome, além de impulsionar o efeito Dunning-Kruger em outras pessoas, também cria uma barreira para o seu próprio crescimento profissional. Isso ocorre porque, a baixa autoconfiança desvia a atenção de si para os inexperientes de ego inflado e cheios de certezas. O tamanho do ego ostentado pode facilmente enganar os desprevenidos.

 

Só por curiosidade, a curva do efeito Dunnig-Kruger parece ser uma “constante” do comportamento humano. Vejam a interessante semelhança com a curva de “hype” usada pela empresa de consultoria Gartner! Mas o desenvolvimento desta tese não é o objeto deste artigo, por este motivo não pretendo me aprofundar nisto neste momento.

 

Ímpeto da juventude, produtividade da maturidade

 

Os profissionais jovens, em início de carreira, com experiência e conhecimento muito incipientes, estão naturalmente na fase inicial da curva de Dunning Kruger. Já os profissionais maduros costumam ser muito mais realistas sobre as suas habilidades. Por outro lado, essa confiança excessiva dos neófitos é um gatilho da criatividade que às vezes permite o surgimento de ideias “impossíveis”, pois a falta de bagagem e as deficiências culturais não acionam os freios causados pela dúvida e pela aversão ao risco dos mais experientes. Como Jean Cocteau dizia “Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”.

 

Bill Gates, aos 19, Steve Jobs, aos 21, e Mark Zuckerberg, aos 19, são os exemplos mais famosos. Eles são conhecidos por terem iniciado as suas empresas aos 20 anos e em muitos aspectos, serviram, erroneamente, como referência que um empresário de sucesso deve ter.

 

Mas estas são raríssimas exceções, praticamente um mito! No entanto, há razões para acreditar que seria melhor investir em empreendedores mais experientes. Eles realmente têm taxas de sucesso muito melhores do que os mais jovens de acordo com um novo estudo do National Bureau of Economic Research que analisou a idade de todos os fundadores de empresas nos EUA nos últimos anos e a sua taxa de sucesso.

 

Os jovens empreendedores podem ter algumas vantagens. Eles são freqüentemente usuários nativos da mais moderna tecnologia, são mais flexíveis pois não têm compromissos familiares e portanto, inclinados a correr mais riscos. Mas ao contrário do senso comum, empreendedores com menos de 25 anos produzem muita “espuma” mas pouca tração. A probabilidade de sucesso aumenta um pouco quando as pessoas atingem 25 anos, então, o desempenho permanece estável entre pessoas com idade entre 25 e 35 anos. Já, a probabilidade de sucesso dá um salto importante após os 35 anos, saltando novamente aos 46 anos e permanecendo alta em direção aos 60 anos.

 

Imagem: Pierre Azoulay, Benjamin F. Jones, J. Daniel Kim e Javier Miranda

 

Respeite seus avós

O sucesso como empreendedor depende do seu conjunto de competências, que inclui educação, experiência e habilidades. Isto é chamado de capital humano e é essencial para explorar oportunidades, sejam elas visíveis ou ocultas.

Embora os jovens possam ter uma vantagem criativa e tecnológica, sua falta de experiência no setor, bem como a segurança financeira, também afetarão o sucesso de seus negócios. Nós ganhamos conhecimento e habilidades através da educação e experiência de trabalho. E, talvez sem surpresa, a pesquisa descobriu que os empreendedores com maior experiência têm taxas de sucesso mais altas do que aqueles que têm uma experiência mais curta.

Imagem: Pierre Azoulay, Benjamin F. Jones, J. Daniel Kim e Javier Miranda

 

Esta descoberta terá sérias implicações para a forma como são ensinados negócios no ensino superior! A cultura do “jovem empreendedor” alimentou um grande número de cursos em escolas de administração. Há uma clara evidência de que pessoas mais velhas e mais experientes são melhores empreendedores. Isto sugere que os formandos do MBA sem experiência de trabalho não devem ser encorajados a iniciar seu próprio negócio imediatamente.

E agora?

 

Embora Steve Jobs tenha iniciado seu negócio aos 21 anos, sem dúvida o ápice de seu sucesso veio com o iPhone, que foi lançado quando ele tinha 52 anos.

Incentivar jovens estagiários e gerentes experientes a se associar em equipes cross-geracionais e impulsionar novas ideias, produtos, serviços e processos inovadores em toda a empresa é o caminho que está sendo testado na Lufthansa, a maior companhia aérea da Europa.

A Lufthansa desenvolveu ao longo dos anos uma cultura corporativa de segurança. É uma coisa boa, certo? Quando você está dentro da cabine de um avião, com certeza é uma coisa boa! Mas dentro de uma empresa, uma cultura em torno da segurança pode significar que as ideias são apenas consideradas pelos gerentes, trabalhadas lentamente através da cadeia de comando, e só são aprovadas após cuidadosa e demorada consideração e debate em vários departamentos e por vários executivos. Este processo metódico pode ser absolutamente devastador. As empresas estabelecidas necessitam agora da inovação e da agilidade de uma startup ou correm o risco de perder relevância, perder market-share, perder mind-share ou até quebrar.

Além disto, se mover lentamente pode ser frustrante para as novas gerações de funcionários e impacta severamente a capacidade de uma empresa de atrair e reter os melhores talentos. A mudança também pode ser preocupante para os gerentes que agora estão sendo solicitados para aprender novas maneiras de serem bem sucedidos em vez de continuar usando os mesmos processos de sempre.

 

Como uma empresa pode manter a sua relevância se não consegue reter ou atrair talentos?

 

Para tentar encontrar uma resposta e este desafio a Lufthansa se aproximou da Singularity University em setembro de 2017 e criou uma experiência cross-geracional montando um grupo de 30 trainees e gerentes experientes em duplas que foram participar de um programa de gerenciamento exponencial de 2 dias na Singularity University. O objetivo desta experiência é agregar os valores do conhecimento do “ontem” ao otimismo do “amanhã”.

Por se tratar de uma iniciativa muito recente, ainda é cedo para tirarmos conclusões definitivas sobre o sucesso desta experiência da Lufthansa, mas desde já, o impacto na Lufthansa está sendo extremamente positivo. A mudança cultural já é perceptível, as equipes motivadas começaram a pensar diferente, a pensar no futuro, a pensar em novos modelos de negócios. O impacto positivo na contratação e na retenção de talentos também está sendo notável.

 

Esta mudança está sendo promissora para a manutenção da Lufthansa como líder do segmento, reforça a sua relevância e ultimamente tende a garantir a sua sobrevida.

 

Já existem bastante indicadores que tendem a apontar que este caminho parece ser o caminho a ser seguido, ou seja, criar equipes que casam criatividade desenfreada com experiência de mercado e gestão, de forma a maximizar o sucesso das iniciativas de inovação.

 

Fontes:  

http://www.administradores.com  

https://understandinginnovation.blog/2015/07/03/the-dunning-kruger-effect-in-innovation/

https://www.weforum.org/agenda/2018/06/why-middle-aged-entrepreneurs-are-better-than-young-ones

http://www.nber.org/papers/w24489

https://www.archania.org/biases/#Dunning-Kruger_effect

https://www.ccl.org/articles/leading-effectively-articles/the-secret-to-working-with-millennials/

https://su.org/wp-content/uploads/2018/05/Singularity-University-SU-CS-Lufthansa-EN.pdf 

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